Por um futuro regenerativo

Há pouco mais de 100 dias, o mundo inteiro mudou — em alguns aspectos, de forma definitiva. Se fomos tomados pela insegurança de saber que muita coisa não será como antes, por outro lado, tendências apontam oportunidades bastante promissoras para o futuro que ainda construiremos juntos.
Considerando a intensidade e a velocidade das mudanças do cenário atual, é compreensível que boa parte do nosso tempo seja utilizado em busca de adaptações imediatas para o dia, semana ou mês seguintes. No entanto, é imprescindível que adotemos também uma visão de longo prazo sobre os impactos e projeções dessa crise. É necessário usar o momento atual para pensarmos e nos prepararmos para as novas possibilidades, mentalizarmos como arquitetar a reconstrução do mercado, muito melhor do que sempre foi.
Com isso em mente, identificamos três drivers comportamentais que passam por drástica aceleração. Juntos, eles constroem a base para um modelo econômico mais transparente, justo e responsável. Conectando esses pontos, vemos surgir uma Economia Regenerativa. A compreensão das características deste novo modelo e das formas de negócio que dele emergem facilitará não só as tomadas de decisão de curto prazo, mas principalmente motivará líderes e suas equipes a desenharem cenários futuros de longo prazo muito promissores.

Os 3 pilares do novo mundo

Driver #1 — Consumo + Digital

Muitos de nós estão hoje em pleno isolamento, mas conectados praticamente o dia todo. Nunca fizemos tantas coisas virtualmente. Para alguns, isso significou adotar o trabalho home office da noite para o dia, enquanto ainda ajudam no ensino dos filhos que repentinamente também se tornou à distância. Para outros, a oportunidade de trabalho foi restringida aos aplicativos de entrega, atendendo à explosão das mais diversas categorias de consumo via e-commerce. Segundo uma pesquisa realizada pela Ebit | Nielsen, houve um crescimento maior do que a média no número de novos consumidores do e-commerce brasileiro (ou seja, daqueles que realizaram uma compra online pela primeira vez) após o primeiro caso de Covid-19 no país.
A princípio, esse cenário impactou positivamente empresas nativas digitais e negativamente aquelas ainda pouco digitalizadas. Em um segundo momento, vemos a retomada de crescimento daquelas que estão sabendo acelerar suas estratégias de digitalização. De toda forma, comercializar qualquer tipo de produto ou serviço passa a demandar uma operação de e-commerce com entrega, troca e atendimento minimamente eficazes.
A aceleração do consumo digital pede outras medidas de atenção, como o crescente número de consumidores cada vez mais cientes do valor dos seus dados e, exatamente por isso, mais preocupado com sua privacidade. Especialmente no Brasil, onde estamos às vésperas da finalização do texto da nova LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). O isolamento social destrava as últimas ondas de negócios digitais, tornando esse tema emergencial.

Driver #2 — Consumo + Consciente

Não há dúvidas que esta crise impacta tanto a saúde quanto a economia. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, realizada entre 3 e 5 de abril, aponta que 51% das pessoas afirmam já terem perdido renda. Outros estudos globais apontam como a maioria teme que o cenário possa vir a prejudicar suas finanças.
Nas primeiras semanas da crise, a preocupação com a redução dos ganhos levou a uma queda brusca no consumo de tudo que não fosse considerado prioritário. Com o passar do tempo, observamos muitas categorias voltarem a ser consumidas, especialmente através de canais digitais, mas com um olhar muito mais crítico. O que constatamos é a aceleração da tendência do consumo cada vez mais consciente, que exclui os excessos e prioriza o que é essencial. Valoriza-se como nunca a qualidade, mas também a busca pelo menor preço — sobretudo em lares com orçamentos menores. Em outras palavras, o consumo nunca foi tão preciso como agora.
À medida em que a lógica de priorização dos consumidores muda, projeta-se uma lenta recuperação pós-crise de categorias como itens de luxo, automóveis e restaurantes. Ao mesmo tempo, segmentos que contavam com um distanciamento cômodo, como alimentação (com deliveries e fast food) e limpeza (o Brasil ainda tem 6 milhões de empregadas domésticas), agora constituem parte importante da rotina na quarentena e são repensados não apenas sobre a real necessidade de se contratar esses serviços, mas principalmente sobre a qualidade dos produtos que se vinha recebendo.
Tal consciência emerge, sim, a partir de novas premissas financeiras, mas também ambientais. Uma geração apelidada de sustainable native — e personificada na figura icônica de Greta Thunberg — assistiu ao seu maior desejo ambiental virar realidade nestas semanas em que o mundo parou, possibilitando a visível redução na emissão de poluentes no mundo inteiro por conta do isolamento social. Em São Paulo, por exemplo, a primeira semana da quarentena foi suficiente para fazer a poluição do ar cair pela metade. Esse mesmo maravilhamento espalha-se por todas as grandes cidades do mundo e, não por acaso, vemos cada vez mais fotos de céus “antes e depois da crise” tomarem conta da internet.
Se hoje ainda damos passos atrás em relação ao uso de embalagens descartáveis em nome dos cuidados da saúde, podemos esperar que as discussões em torno da crise climática também sejam aceleradas após o fim do surto da pandemia. O filósofo espanhol Paul B. Preciado sabiamente correlaciona as duas questões, afirmando: “Nossa saúde não virá da imposição de fronteiras ou separação, mas de um novo equilíbrio com outros seres vivos do planeta”.
Prejuízos financeiros massivos associados à redução tangível da poluição com as ruas vazias, aceleram um consumo cada vez mais consciente do necessário e de qualidade a preço justo. Os consumidores esperam cada vez mais transparência das empresas, afinal, a valorização do dinheiro e da qualidade considera também maior atenção à cadeia de produção e dos seus impactos socioambientais.

Driver #3 — Consumo + Social

Um inegável ponto de impacto dessa crise é a visibilidade sobre as fragilidades e desigualdades do sistema atual. Se o vírus não discrimina classe social, também é verdade que ele impacta mais as populações que já vivem em situação de vulnerabilidade. Limitações dos equipamentos de saúde, falta de saneamento básico, precariedade nas condições de moradia e falta de acesso à informação sobre prevenção são os 4 principais motivos que tornam as periferias mais vulneráveis ao coronavírus, segundo reportagem do jornal Nexo.
Além do impacto na saúde, uma pesquisa do Data Favela mostra que, sem ações específicas, 86% dos moradores de favelas brasileiras passarão fome por causa do coronavírus.
No âmbito dos pequenos negócios, o SEBRAE divulgou nos últimos dias que os MEIs (Microempreendedores Individuais) têm apenas, em média, oito dias de caixa para pagar seus compromissos financeiros — o que evidencia claros limites para atravessar uma crise de tempo indeterminado.
A solidariedade torna-se progressivamente um dos maiores efeitos positivos da crise, e se estende do plano individual até as maiores corporações do país. Segundo a ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos), o volume de doações filantrópicas bateu recordes na história recente do Brasil, já tendo ultrapassado os 3 bilhões de reais.
O que começou como uma grande oportunidade de fortalecimento da imagem e reputação das empresas doadoras, transforma-se cada vez mais em expectativas consolidadas dos consumidores. Quanto maior a instituição, mais se espera que ela possa usar o seu poder — inclusive econômico — para socorrer os seus stakeholders, sempre respeitando a ordem de prioridade: de dentro para fora, ou seja, primeiramente protegendo a saúde e o emprego de funcionários, depois fornecedores e então os ecossistemas do seu entorno.
A consciência de que populações periféricas e micro e pequenos empreendedores são os mais atingidos pela crise reforça o senso de comunidade e a preferência por consumir de locais, de pequenos produtores ou de grandes empresas que investem socialmente. No longo prazo, essa expectativa alinha-se com a nova lógica de construção de reputação que já vínhamos estudando na Box1824: ela é cada vez menos controlada por imagens idealizadas e projetadas pela propaganda de massa para ser cada vez mais avalizada pela rede, a partir do seu impacto real em todo o seu ecossistema (de dentro para fora).

Economia Regenerativa

A combinação desses três drivers nos apresenta um consumidor mais conectado, exigente e solidário em decorrência da profunda crise que vivencia. Suas expectativas frente às empresas (especialmente em relação às líderes do mercado) são enormes e exigem medidas abrangentes, transparentes, que gerem impacto e transformem modelos de negócio.
Essa nova mentalidade está reformando a lógica de criação de valor do nosso sistema econômico: enquanto na economia clássica ela estava na produção industrial e na posse, na economia compartilhada passou a ser expressa pelas experiências centradas no consumidor. Agora, na era da economia regenerativa, a criação de valor passa a ser medida pelo impacto positivo do negócio junto às pessoas e ao planeta.
Obter resultados nesse novo cenário, para muitos, exige uma mudança de mentalidade. A demanda antes mapeada pelo desejo dos consumidores, passa também pela identificação de grandes problemas estruturais das regiões onde as empresas estão inseridas. Construir soluções que levem acesso a trabalho, educação, mobilidade ou serviços financeiros para quem mais precisa torna-se o principal indicador de construção de valor no mundo contemporâneo. Não por acaso, a maioria das start ups unicórnio latino-americanas cresceram sob essa premissa, ajudando a construir soluções que respondam a grandes problemas estruturais da região.
Consequentemente, a oferta para atender a essas demandas só pode ser pensada por empresas que se conectem a um propósito não apenas poderoso, mas muito empoderador de si, de todos os seus stakeholders, dos ecossistemas e das regiões onde atuam. Diversos estudos já apontam que empresas com propósitos fortes possuem equipes mais engajadas e clientes mais fiéis, e consequentemente sofrem menos com a volatilidade dos tempos de crise.
Neste cenário, hoje temos a oportunidade de ressignificar todas as relações das empresas, solidificando novas regras mais equitativas e benéficas para todos. O cerne da Economia Regenerativa está em trazer melhorias às pessoas e ao planeta antes de mais nada. Esse movimento é potencializado enormemente por consumidores que, mesmo fragilizados num momento de crise, tornam-se mais conscientes e tendentes a depositar sua confiança nas empresas que empregarão esforços para construir uma realidade melhor para todos.
Nós, da Box1824, não apenas mapeamos esses cenários de futuro, como também assumimos o compromisso de colaborar com sua construção. Por isso, mais do que compreender essa transformação, estamos trabalhando ativamente para produzir inovações metodológicas, conceituais e analíticas que possam ajudar pessoas, empresas e instituições a se conectarem com o futuro de soluções regeneradoras para o mundo. Queremos fazer parte desta transformação e te convidamos a vir junto. Contem conosco.