A escolha de Sofia em tempos de Covid-19


Simone Antoniaci Tuzzo

Por várias vezes desde o início da pandemia do Covid-19 a imprensa tem apresentado especialistas que em suas falas temem a necessidade de realizar a "escolha de Sofia" caso não exista leitos, respiradores entre outros equipamentos de logística suficientes para enfrentar o novo coronavírus, implicando no colapso do Sistema Único de Saúde.
Em termos práticos o isolamento social é imposto para que o menor número possível de pessoas seja contaminado e com isso não chegue aos hospitais uma multidão de doentes e os profissionais sejam obrigados a optar entre duas escolhas igualmente perturbadoras, ou seja, quem será ou não atendido.
É claro que existem regras jurídicas asseguradas para idosos, crianças, adolescentes, jovens, portadores de necessidades especiais, portadores de patologias graves, pessoas pertencentes a grupos vulneráveis, até liminares concedidas pelo sistema judiciário caso faltem leitos em hospitais, mas na prática, é mais do que isso. É o front, é a deliberação daqueles que estão na primeira linha de batalha e que precisam decidir.
Mas será que todos sabem o que significa o termo "escolha de Sofia" e de onde ele tem origem?
Escolha de Sofia é uma metáfora que significa fazer escolhas difíceis de acordo com a chance de sucesso de tratamento, considerando a idade do paciente, se esta pessoa tem outras doenças, a gravidade do seu estado e a possibilidade de reverter esse quadro.
A escolha de Sofia não é considerada até que os recursos se tornam tão escassos que isso não permite o tratamento de todos os pacientes que precisam ser atendidos nas UTIs, por exemplo.
Assim, escolha de Sofia significa fazer uma escolha muito, muito difícil, em um momento onde não se tem escolha, onde o impacto da decisão será sempre o da perda, do trágico, do ruim. No caso da Covid-19 é a existência de uma medicina de catástrofe, onde se depara com uma decisão quase impossível de ser tomada.
"A escolha de Sofia" é uma expressão que invoca a imposição de se tomar uma decisão difícil sob pressão e enorme sacrifício pessoal. Ela se tornou uma metáfora utilizada em situações nas quais nenhuma solução é satisfatória. A opção entre duas alternativas igualmente insuportáveis.
Mas como se originou essa expressão? A origem da expressão é uma história de horrores, um acontecimento trágico, ocorrido nos Campos de Concentração do Nazismo, em Auschwitz, numa época em que ocorreram os mais desumanos e cruéis crimes da História da Humanidade.
O escritor americano Willian Clark Styron relatou num romance filosófico a tragédia vivida por Sophie Zawistowska, sob o título original Sophie’s Choise. O romance foi escrito em 1979 e posteriormente foi adaptado para um filme homônimo com estréia em 1982 com a atriz  Meryl Streep ganhando o Oscar de melhor atriz pela brilhante interpretação de uma Polonesa chamada “Sofia”. Na trama ela, filha de pai anti-semita, é presa sob acusação de contrabando num campo de concentração de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial e logo ao chegar com um casal de filhos pequenos é forçada por um sádico oficial nazista a escolher apenas uma das crianças para seguir na fila da prisão, a outra iria diretamente para a fila da morte, da execução.
No caso dela recusar a escolha, as duas crianças morreriam na câmara de gás, obrigando Sofia a tomar a terrível decisão.
Sofia sobrevive e o trauma é relembrado por ela em 1947, quando, morando em Nova York e casada com um judeu americano chamado Nathan, vive um triângulo amoroso com Stingo, um aspirante a escritor e nos mostra uma mulher entregue a uma relação alucinante e destrutiva, impermeável a qualquer felicidade capaz de desviá-la do puro e simples aniquilamento.
Apesar de ser reputada como uma decisão drástica e excepcional, a escolha de Sofia durante a pandemia do Novo Corona Vírus é uma deliberação que perpassa pelo crivo racional, já que a situação levada ao extremo, ou seja, a completa saturação dos recursos na UTI, cria um “gargalo” no atendimento à população.
Dentro da “escolha de Sofia”, a inquietação surge: seria legal optar pelo tratamento do paciente que tenha maior chance de recuperação em detrimento do outro?
Qual paciente deve o profissional da área de saúde priorizar?
A resposta surge quase que intuitivamente, aqueles que têm mais chances de viver.
A discussão adentra a Bioética e o Direito.  Daí a importância de discutirmos esse tema, afinal, enquanto muitos precisam circular, outros podem ficar em casa. Enquanto muitos consideram a doença uma coisa amena e passageira, temos cientistas que afirmam o contrário.
Precisamos da consciência e da responsabilidade de cada cidadão, afinal, como afirmou Sartre “somos condenados a ser livres” e a liberdade pode ser muito dolorosa para aqueles que não sabem o que fazer com ela.  

Simone Antoniaci Tuzzo é Relações Públicas, Pós-Doutora em Comunicação, professora do Curso de Relações Públicas da Universidade Federal de Goiás – UFG. E-mail: simonetuzzo@hotmail.com